Alteração passa por cima de projeto nacional. China se beneficiaria com monitoramento de atividades de mísseis dos EUA.

Na última quinta-feira, dia 6, os governos brasileiro e chinês assinaram uma Declaração Conjunta de Intenções para o desenvolvimento do satélite CBERS-5. A assinatura aconteceu em Pequim durante a VII Sessão Plenária da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN).

Participaram da cerimônia o Vice-Presidente da República Geraldo Alckmin, o Secretário de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) Inácio Arruda, representando a Ministra Luciana Santos, o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) Clezio De Nardin e representantes da Administração Espacial Nacional da China (CNSA).

O programa de Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres (na sigla em inglês, CBERS) foi assinado em 1988, após dois anos de negociações entre os países. O satélites ficam na orbita baixa e fazem sensoriamento remoto. Já foram lançados seis satélites, sendo o primeiro em 1999.

Diferente dos outros satélites do programa, o CBERS-5 será um satélite geoestacionário com foco em meteorologia, fornecendo dados para a previsão do tempo e o monitoramento de eventos climáticos extremos, como secas, tempestades, enchentes.

Assinatura de Declaração Conjunta de Intenções entre Brasil e China para o satélite CBERS-5

Alterações O acordo é alvo de polêmica dentro da comunidade espacial. O Brasil já tinha planos para um projeto 100% nacional de um satélite meteorológico geoestacionário – o GEOMET-1. Isso está definido no Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) 2022-2031 – embora o satélite já estivesse previsto no PNAE anterior, 2012-2021.

O GEOMET-1 teria capacidade de imagear todo o território nacional em intervalos de poucos minutos e áreas quadradas com cerca de mil km de lado em intervalos de poucos segundos. O satélite contaria com radiômetro com canais nos espectros visível e infravermelhos próximo e térmico.

Com os novos planos para o CBERS-5, o Brasil estaria trocando sua autonomia por um projeto sem previsão, até então, de transferência de tecnologia. Além disso, a previsão é de que o satélite seja construído até 2031 ao custo de R$ 5 bilhões – mais de 34% do orçamento do MCTI e 38 vezes mais que o orçamento do Programa Espacial Brasileiro para 2024. (Se você torceu a cara ao ler isso, saiba que eu também torci.)

Por outro lado, os CBERS lançados até hoje, alcançaram a órbita justamente por serem fruto de um projeto binacional com orçamento fixo. Isso os tornou menos vulneráveis às vontade de políticos que passam pelo governo do Brasil. Projetos 100% nacionais não tem esse luxo e não costumam ser herdados nas transições de governo. Pelo menos, não com os mesmos orçamentos e cronogramas.

Ilustração do satélite CBERS-2 em órbita (INPE)

Interesses “Nossa ideia é compartilhar os dados meteorológicos que vamos gerar com os parceiros chineses a todos os demais países interessados, com atenção especial à América Latina e ao Caribe. Podemos capitanear a partir do nosso novo satélite um centro latino-americano de previsões climáticas”, disse De Nardin.

Sendo geoestacionário, o satélite ficará “fixo” sobre o Brasil – e, portanto, não observará a China. Faz sentido seus dados serem compartilhados com “países interessados” na América Latina e no Caribe, mas qual seria o interesse dos chineses nisso? A China projeta, fabrica, lança e opera satélites espiões sem auxílio internacional. Então, não parece que os chineses teriam intenções de usar o CBERS-5 para espionagem, certo?

A resposta para essas perguntas está no fato de que satélites meteorológicos são capazes de registrar lançamentos de mísseis e foguetes. Com o novo CBERS-5, o Brasil terá um satélite meteorológico constantemente sobre seu território, eliminando a necessidade de comprar imagens e dados de estrangeiros. Por sua vez, a China ganhará dados científicos para pesquisas e poderá monitorar continuamente os mísseis balísticos dos EUA e ajustar seus planos de resposta a um ataque.

O projeto prevê uma construção rápida e, certamente, dará ao Brasil uma experiência muito positiva, como o histórico do programa CBERS. Foi com essa experiência que foi desenvolvido o Amazônia-1 – outro ponto polêmico na comunidade espacial brasileira. Por um lado, o satélite contribui para a observação e defesa da Amazônia e representa um feito importante da tecnologia brasileira. Por outro, ele é defasado e custoso e o processamento de seus dados não é tão claro, assim como sua transferência de tecnologia.