Usando dados do Gaia, astrônomos traçaram passado de 155 aglomerados e descobriram três “famílias”. Sistema Solar pode estar ligado a uma delas.

Se você gosta de astronomia observacional ou até pratica astronomia amadora e reconhecimento do céu noturno, muito provavelmente conhece, as Híades e as Plêiades. São aglomerados de estrelas na constelação de Touro, enxames de estrelas visíveis a olho nu (a depender das condições de tempo e poluição luminosa). As Plêiades são mais famosas. Os japoneses as chamam de Subaru e elas podem ser reconhecidas no logo da marca de automóveis com esse nome.

Os aglomerados estelares abertos, como as Híades e as Plêiades, contêm centenas de estrelas que estão fracamente ligadas entre si por gravitação mútua. Têm menos estrelas do que os aglomerados globulares e não são tão compactos. Também não são esféricos como os globulares; em vez disso, seguem o plano galáctico. Encontram-se normalmente nos braços espirais da Via Láctea e não no halo onde residem os globulares.

Eventualmente, os aglomerados abertos perdem a sua ligação gravitacional, dispersando-se e passando a se chamar “associações estelares”. Continuam a mover-se no espaço e são então chamados “grupos em movimento”. Seu movimento permite que astrônomos compreendam suas origens.

Aglomerado estelar de Plêiades (NASA, ESA, AURA/Caltech, Palomar Observatory)

Em um novo artigo publicado na revista Nature, uma equipe traçou as origens de 155 aglomerados estelares jovens a cerca de 3.500 anos-luz do Sol. Os autores pertencem a instituições da Áustria, da Alemanha e dos Estados Unidos.

“Os aglomerados de estrelas jovens são excelentes para explorar a história e a estrutura da Via Láctea. Ao estudar os seus movimentos no passado e, consequentemente, a sua origem, obtemos também importantes conhecimentos sobre a formação e evolução da nossa galáxia”, afirma João Alves da Universidade de Viena, coautor do estudo.

Os pesquisadores utilizaram dados do observatório espacial astrométrico Gaia e observações espectroscópicas de aglomerados de estrelas para traçar a sua história ao longo de 60 milhões de anos. Descobriram três famílias de aglomerados, cada uma associada a uma das três regiões de formação estelar. “Isso indica que os aglomerados estelares jovens têm origem em apenas três regiões de formação estelar muito ativas e massivas”, diz Alves.

A pesquisa começou com uma amostra de 272 enxames. A equipe descobriu que, entre 30 e 50 milhões de anos atrás, quase 60% das suas trajetórias convergiam em três locais. Isso mostrou que “uma grande fração dos aglomerados na vizinhança solar tem origens comuns”.

As três famílias têm o nome dos seus membros mais proeminentes: Collinder 135 (Cr135), Messier 6 (M6), e Alfa Persei (αPer). São 39, 34 e 82 aglomerados, respetivamente. Coletivamente, contêm 57% dos 272 aglomerados e 59% das 48.514 estrelas da amostra.

Posições de aglomerados pesquisados no céu e imagens de alguns dos seus membros; os membros do Alfa Persei estão mais espalhados porque estão mais próximos do Sol (Swiggum et al. 2024.)

“Essas descobertas oferecem uma compreensão mais clara de como os aglomerados estelares jovens na nossa vizinhança galáctica estão interligados, tal como os membros de uma família ou ‘linhagens'”, diz o autor principal Cameron Swiggum, estudante de doutorado na Universidade de Viena.

“Ao examinar os movimentos em 3D e as posições passadas destes aglomerados estelares, podemos identificar suas origens comuns e localizar as regiões da nossa galáxia onde se formaram as primeiras estrelas destes respectivos aglomerados estelares, há cerca de 40 milhões de anos.”

Você pode acessar uma versão interativa das posições dos aglomerados pesquisados aqui.

Supernovas e bolhas A equipe descobriu mais do que apenas a história dos aglomerados. Também descobriu que mais de 200 explosões de supernovas devem ter ocorrido nas três regiões de formação estelar para ejetar todos estes aglomerados. Essas explosões são extraordinariamente poderosas e 200 delas liberariam energia suficiente para moldar seu ambiente em grande escala.

Os autores afirmam que estas explosões criaram uma bolha gigantesca no meio interestelar. “Isso poderia explicar a formação de uma superbolha, uma bolha gigante de gás e poeira com um diâmetro de 3.000 anos-luz em torno da família Cr135”, disse Swiggum.

Nosso Sistema Solar também está dentro de uma destas bolhas, a Bolha Local. Dentro da bolha, o gás é mais fino e mais quente do que fora dela. “A Bolha Local está provavelmente também ligada à história de uma das três famílias de enxames estelares”, acrescentou Swiggum. “E é provável que tenha deixado vestígios na Terra, como sugerem as medições de isótopos de ferro (60Fe) na crosta terrestre.”

Um modelo interativo com a Bolha local e as três famílias identificadas na pesquisa pode ser acessada por aqui.

Três famílias de aglomerados estelares e outras características locais num mapa de poeira; a poeira é mostrada em cinza cinzento e duas características proeminentes identificadas, a Crista Molecular de Vela e a Onda de Radcliffe; o Sol é o ponto amarelo e a Bolha Local é mostrada em azul. (Swiggum et al. 2024.)

A pesquisa é mais um exemplo da capacidade do observatório Gaia de encontrar relações entre as estrelas e tecer um conto baseado em provas das suas histórias. E nós estamos no meio de tudo isto. Seria um chavão dizer que encontrar ligações entre as coisas cria significado. As estrelas no céu não estão apenas “lá em cima”. Há uma longa história a ser contada ao desvendar o que vemos como “estático” no céu.

“Podemos praticamente transformar o céu numa máquina do tempo que nos permite traçar a história da nossa galáxia natal”, diz João Alves. “Ao decifrar a genealogia dos aglomerados estelares, também aprendemos mais sobre a nossa própria ascendência galáctica.”