Pesquisadores usaram dados coletados pelo observatório Gaia. Evidências apontam para evento de fusão galáctica há cerca de 3 bilhões de anos.

A Via Láctea adquiriu sua massa por colisões e fusões com outras galáxias. Esse é um processo complexo e vemos a mesma coisa acontecendo com outras galáxias por todo o Universo. Atualmente, vemos a Via Láctea interagindo com duas galáxias satélites: a Grande e a Pequena Nuvem de Magalhães. Provavelmente, elas serão absorvidas pela nossa galáxia.

Pesquisadores pensavam que a última grande fusão havia ocorrido no passado distante da Via Láctea, entre 8 e 11 bilhões de anos atrás. Agora, uma nova pesquisa sugere que ela foi muito mais recente: há menos de 3 bilhões de anos. O artigo foi publicado na Monthly Notices of the Royal Astronomical Society e seu autor principal é Thomas Donlon, pesquisador de pós-doutorado em Física e Astronomia na Universidade do Alabama, em Huntsville. Donlon vem estudando fusões na Via Láctea há vários anos e já publicou outros trabalhos sobre o assunto.

A pesquisa usou dados da missão Gaia da Agência Espacial Europeia (ESA). Lançada em 2013, esse satélite é um observatório astrométrico que está mapeando ativamente 1 bilhão de objetos astronômicos, a maioria estrelas. Ele os mede repetidamente, estabelecendo medidas precisas de suas posições e movimentos.

Via Láctea vista pelo satélite Gaia, da ESA (ESA/Gaia/DPAC)

Rugas Toda vez que outra galáxia colide e se funde com a Via Láctea, ela deixa “rugas” de vários tipos de morfologias, incluindo dobras de espaço de fase, cáusticas, chevrons e conchas. Elas se movem através de diferentes grupos de estrelas dentro da Via Láctea, afetando a forma como as estrelas se movem pelo espaço. Ao medir as posições e velocidades dessas estrelas com grande precisão, Gaia pode detectar as rugas da última grande fusão.

“Nós ficamos mais enrugados à medida que envelhecemos, mas nosso trabalho revela que o oposto é verdadeiro para a Via Láctea. Ela é uma espécie de Benjamin Button cósmico, ficando menos enrugada com o tempo”, disse Donlon em um release. “Ao observar como essas rugas se dissipam ao longo do tempo, podemos rastrear quando a Via Láctea sofreu sua última grande colisão – e parece que isso aconteceu bilhões de anos depois do que pensávamos.”

Para entender a última grande fusão da Via Láctea, usa-se diferentes evidências. Uma delas é uma região rica em Fe/H onde as estrelas seguem uma órbita altamente excêntrica. A relação Fe/H de uma estrela é uma impressão digital química e, quando os astrônomos encontram um grupo de estrelas com a mesma digital e as mesmas órbitas, é evidência de uma origem comum.

Às vezes, esse grupo é chamado de “Splash”. As estrelas do Splash podem ter se originado em um progenitor rico em Fe/H. Elas têm órbitas estranhas que se destacam de seus arredores. Os astrônomos acreditam que elas foram aquecidas e suas órbitas alteradas como um subproduto da fusão.

Há duas explicações concorrentes para todas as evidências de fusão. Uma diz que uma galáxia anã chamada Gaia Sausage/Enceladus (GSE) colidiu com o proto-disco da Via Láctea entre 8 e 11 bilhões de anos atrás. Outra cita um evento chamado Fusão Radial de Virgem como responsável pelas estrelas no halo interno. Essa colisão ocorreu muito mais recentemente, há menos de 3 bilhões de anos.

“Esses dois cenários fazem previsões diferentes sobre a estrutura observável no espaço de fase local porque a morfologia dos detritos depende do tempo que eles tiveram para se misturar em fase”, explica o artigo.

As rugas na nossa galáxia foram identificadas pela primeira vez nos dados do Gaia em um artigo de 2018. “Observamos formas com diferentes morfologias, como uma espiral semelhante a uma concha de caracol. A existência dessas subestruturas foi observada pela primeira vez graças à precisão sem precedentes dos dados trazidos pelo satélite Gaia”, disse Teresa Antoja, autora principal do estudo, em 2018.

Mas o Gaia divulgou mais dados que apoiam o cenário de fusão mais recente. Esses dados mostram que as rugas são muito mais predominantes do que sugerem os dados anteriores.

Aglomerado globular NGC 2808 em imagem do Telescópio Espacial Hubble; ele pode ser o núcleo antigo da galáxia anã GSE, que teria colidido com a Via Láctea (NASA, ESA, A. Sarajedini (Universidade da Flórida) e G. Piotto (Universidade de Pádua (Padova))

Fusões “Para que as rugas das estrelas sejam tão claras como aparecem nos dados de Gaia, elas devem ter se juntado a nós há menos de 3 bilhões de anos – pelo menos 5 bilhões de anos mais tarde do que se pensava”, disse a coautora Heidi Jo Newberg, do Rensselaer Polytechnic Institute. Se as rugas fossem muito mais antigas e estivessem de acordo com o cenário de fusão da GSE, seria mais difícil discerni-las.

“Novas rugas de estrelas se formam cada vez que as estrelas oscilam para frente e para trás no centro da Via Láctea. Se elas tivessem se juntado a nós há 8 bilhões de anos, haveria tantas rugas próximas umas das outras que não as veríamos mais como características separadas”, disse Newberg.

Isso não significa que não haja evidências da fusão mais antiga, a GSE. Algumas das estrelas que sugerem a fusão antiga podem ser da fusão mais recente e algumas ainda podem estar associadas à fusão GSE. Ententer isso é um desafio e simulações desempenham um papel importante.

Os pesquisadores de ambos os trabalhos executaram várias simulações para ver como elas correspondiam às evidências. “Nosso objetivo é determinar o tempo que passou desde que o progenitor das dobras locais do espaço de fase colidiu com o disco da Via Láctea”, escrevem os autores.

“Podemos ver como as formas e o número de rugas mudam com o tempo usando essas fusões simuladas. Isso nos permite identificar o momento exato em que a simulação corresponde melhor ao que vemos nos dados reais de Gaia da Via Láctea hoje – um método que também usamos nesse novo estudo”, disse Thomas.

“Ao fazer isso, descobrimos que as rugas provavelmente foram causadas por uma galáxia anã que colidiu com a Via Láctea há cerca de 2,7 bilhões de anos. Demos a esse evento o nome de Fusão Radial de Virgem.” Esses resultados e o nome vêm de um estudo de 2019.

A VRM provavelmente envolveu mais de uma entidade. Ele pode ter trazido um grupo inteiro de galáxias anãs e aglomerados de estrelas para nossa galáxia mais ou menos ao mesmo tempo.

Ilustração do Gaia; missão tem como objetivo criar mapa 3D da Via Láctea por astrometria, revelando composição, formação e evolução da Galáxia (ESA–D. Ducro)

À medida que o Gaia fornece mais dados a cada lançamento, os astrônomos estão tendo uma visão melhor das evidências das fusões. À medida que astrônomos pesquisam o histórico de fusões com mais detalhes, eles esperam determinar quais desses objetos são da VRM e quais são da GSE.

“A história da Via Láctea está sendo constantemente reescrita no momento, em grande parte graças aos novos dados do Gaia”, acrescenta Thomas. “Nossa imagem do passado da Via Láctea mudou drasticamente desde uma década atrás, e acho que nossa compreensão dessas fusões continuará a mudar rapidamente.”

“Essa descoberta melhora o que sabemos sobre os muitos eventos complicados que moldaram a Via Láctea, ajudando-nos a entender melhor como as galáxias são formadas e moldadas – nossa galáxia natal em particular”, disse Timo Prusti, cientista de projeto do Gaia na ESA.