Teste cumpriu seus principais objetivos. Pela primeira vez, ambos os estágios do foguete pousaram de forma controlada.

Ontem, a SpaceX realizou o quarto voo de teste de seu sistema de lançamento Starship – o maior e mais potente foguete já construído -, com o booster Super Heavy e o estágio superior Starship amerissando de forma controlada pela primeira vez.

O veículo de 122 metros decolou às 9h50 de Brasília de Starbase, instalação de desenvolvimento da empresa em Boca Chica, Texas. A subida pareceu ocorrer conforme o planejado, exceto pela falha de um dos 33 motores Raptor do Super Heavy. Mesmo assim, isso não impediu que o foguete continuasse da trajetória desejada.

Lançamento do quarto voo integrado do Starship (SpaceX)

Como no teste anterior, em março, a separação dos estágios foi feita no tipo hot staging, em que o estágio superior acende seus motores antes de se separar do inferior. O Super Heavy realizou uma queima de retorno (boostback burn) sem falhas em seus motores, como ocorreu em dois voos anteriores. Em seguida, ele alijou o anel interestágio. Segundo a SpaceX, esse anel é uma medida temporária para reduzir a massa do Super Heavy para o pouso.

Durante a fase final de descida, o Super Heavy reacendeu alguns motores para uma queima de pouso (landing burn). Inicialmente, 13 Raptors foram acionados: os motores centrais com montagem gimbal que permite vetorização de empuxo. Mais próximo à superfície, apenas os três centrais permaneceriam funcionando, mas um deles falhou.

O estágio amerissou no Golfo do México, reduzindo sua velocidade a zero na superfície do oceano antes de tombar. Esse era um dos principais objetivos da missão.

“Todo o prédio estava ficando absolutamente louco”, disse Dan Huot, porta-voz da SpaceX durante comentários ao vivo na sede da empresa, em Hawthorne, Califórnia. “Quando vimos o booster atingir a água, quero dizer… uau!”

A Starship, de 50 m, voou em sua trajetória sub-orbital planejada, sem fazer o rolamento visto no lançamento anterior. A nave atingiu altitudes orbitais superiores a 200 km, mas completar uma órbita não fazia parte do plano.

Durante a ascensão, o retorno do Super Heavy e a reentrada da Starship, vídeo ao vivo foi transmitido pelos satélites Starlink, da própria SpaceX. Na transmissão pela internet, foram exibidas lindas imagens da nave com a Terra ao fundo e do campo de plasma ao redor da Starship na reentrada.

Ao contrário do voo de março, a Starship conseguiu passar pela fase máxima de aquecimento, embora o vídeo tenha mostrado danos em um flap superior. Ao vivo, a câmera mostrou que o escudo térmico do flap queimou. A câmera ficou coberta com detritos e sua lente quebrou. Esse foi o momento mais dramático do voo. Eu mesmo achei que a Starship não sobreviveria. Ainda assim, a câmera retornou, apesar de várias quedas de sinal, provando que a Starship estava viva.

Flap da Starship sofrendo danos durante a reentrada no Voo 4 (Reprodução)

O veículo continuou a descida controlada e realizou a manobra de belly flop , um “cavalo de pau” (como diz Pedro Pallota) que coloca a nave em posição vertical pouco antes de pousar. Também fez uma queima de aterrissagem. A amerissagem no Oceano Índico aconteceu cerca de 65 minutos após a decolagem. Esse também era outro objetivo principal do teste.

Na transmissão pelo X, a multidão foi à loucura. “Estava tão alto aqui”, disse Kate Tice, gerente sênior de engenharia de sistemas de qualidade da SpaceX, durante a live. “Eu não ouvia a multidão ficar tão barulhenta, provavelmente, desde o Voo Um.”

Em uma brincadeira no final da transmissão, Tice, Huot e Jessie Anderson, gerente de engenharia de manufatura de estruturas do Falcon da SpaceX, comemoraram o pouso da Starship torrando um marshmallow com um isqueiro em forma de Starship.

“A carga útil para esse teste foram os dados”, ressaltou a empresa em um comunicado após o lançamento. “A Starship entregou”. “Já dissemos isso antes e vamos dizer 9 mil vezes: os dados são a carga útil”, disse Huot durante o teste.

“Apesar da perda de muitos ladrilhos [do escudo térmico] e de um flap danificado, a Starship conseguiu chegar a um pouso suave no oceano”, disse Elon Musk, fundador e chefe executivo da SpaceX, no X. “Parabéns à equipe da SpaceX por uma conquista épica!!!”

Em abril, Musk disse em uma apresentação que, se o pouso do Super Heavy em uma “torre virtual” no Golfo do México fosse um sucesso no quarto voo, a empresa poderia tentar trazer o propulsor de volta ao local de lançamento no próximo voo para tentar pousá-lo de volta na plataforma com a ajuda dos braços Mechazilla na torre de lançamento. Após o voo, ele postou: “Acho que deveríamos tentar pegar o booster com os braços do Mechazilla no próximo voo!”

 Starship deixando a plataforma de lançamento orbital em Starbase no quarto voo de teste integrado (Getty Images)

O administrador da NASA, Bill Nelson, também elogiou o voo como um passo em direção ao desenvolvimento de uma versão lunar da Starship – que a agência planeja usar em seu programa lunar Artemis. “Parabéns à SpaceX pelo voo de teste bem-sucedido da Starship nesta manhã!”, ele postou. “Estamos mais perto de levar a humanidade de volta à Lua por meio da Artemis – e depois seguir em direção a Marte.”

A versão lunar da Starship está programada participar da Artemis 3, a primeira missão tripulada à superfície da Lua desde a Apollo 17, em 1972. No momento, a missão está marcada para 2026, mas o programa Artemis enfrenta dificuldades técnicas e orçamentárias – inclusive ligadas ao próprio desenvolvimento da Starship.

Quanto ao comentário de Nelson, de fato, o veículo foi projetado com Marte em mente. Os motores Raptor, 33 para o Super Heavy e 6 para a Starship, queimam oxigênio e metano líquidos, ambos os quais podem ser obtidos no planeta vermelho.

A NASA selecionou a nave como o primeiro módulo de pouso tripulado do Artemis, que visa estabelecer uma base de pesquisa na região polar sul, rica em gelo, até o final da década de 2020. A arquitetura atual prevê que a Starship pouse astronautas da NASA na Lua pela primeira vez em setembro de 2026, na missão Artemis 3.

Lançamento do quarto voo do quarto voo da Starship; um dos 33 motores Raptor apresentou falha (SpaceX)

FAA O lançamento ocorreu dois dias depois que a Administração Federal de Aviação (FAA) emitiu uma licença de lançamento atualizada para a Starship. A licença atualizada não fez grandes mudanças na forma como a SpaceX conduziria o lançamento, mas foi necessária para que a missão prosseguisse.

A FAA, no entanto, aprovou uma série de exceções propostas pela SpaceX que poderiam acelerar o tempo até o próximo voo. As “exceções de danos induzidos por testes” permitiriam que a empresa pulasse uma investigação se elas contribuíssem para a perda do veículo no voo sem afetar a segurança pública.

A FAA aprovou três dessas exceções: falha do sistema de proteção térmica do veículo durante a reentrada da Starship, falha dos flaps do veículo em fornecer controle suficiente durante a reentrada e falha dos motores Raptor durante a queima de aterrissagem. Para a FAA disse, se qualquer uma dessas falhas ocorrer, não será necessária uma investigação, desde que não resulte em vítimas ou danos à propriedade de terceiros, ou detritos fora das áreas de risco aprovadas.

Decolagem do quarto voo de teste integrado de teste da Starship (Chandan Khanna/AFP)

Ambiente No mesmo dia em que a FAA emitiu uma nova licença, um grupo ambiental anunciou sua intenção de processar a SpaceX, alegando que seus sistemas em solo estavam causando contaminação da água.

O SaveRGV, um grupo dedicado a causas ambientais no Vale do Rio Grande, no Texas, anunciou em 4 de junho que informou à SpaceX que entraria com um processo contra a empresa por “violações contínuas da lei federal”, especificamente a Lei da Água Limpa.

Após o primeiro lançamento orbital do Starship, a empresa instalou um sistema de dilúvio na plataforma de lançamento orbital em Starbase. Segundo o SaveRGV, esse sistema descarrega “águas residuais industriais” que incluem contaminantes como metais que podem viajar até um quilômetro da plataforma – e a SpaceX não possui licença para tais descargas dos órgãos reguladores do Texas.

Uma análise ambiental realizada pela FAA antes do segundo lançamento, em novembro, concluiu que a adição do sistema não resultou em impactos ambientais significativos. A análise concluiu que a água do sistema de dilúvio “deve ser menor do que a média de um evento de chuva de verão” e “é improvável que altere a qualidade da água”.

A organização disse que entrará com um processo contra a SpaceX dentro de 60 dias, buscando penalidades civis e medidas cautelares que poderiam proibir a SpaceX de usar o sistema de dilúvio ou até mesmo de realizar lançamentos lá.

Campo de plasma se formando ao redor da Starship na reentrada do quarto voo (SpaceX)

Testes No primeiro voo integrado, em abril de 2023, os estágios não conseguiram se separa. Essa missão terminou com uma detonação controlada do veículo apenas quatro minutos após a decolagem. O lançamento abriu uma cratera sob a plataforma, obrigando a SpaceX a instalar o sistema de diluvio.

O segundo voo, em novembro de 2023, conseguiu a separação dos estágios, mas eles foram reduzidos a pedaços oito minutos após o lançamento.

A Starship deu um grande salto no voo 3, em 14 de março desse ano. A separação dos estágios ocorreu a tempo e o Super Heavy chegou a uma distância de 500 m das ondas do Golfo do México antes de se despedaçar. A nave, por sua vez, atingiu a velocidade orbital e voou por quase 50 minutos, sucumbindo ao intenso aquecimento por atrito ao reentrar na atmosfera após rolar sem controle devido à perda de seu sistema de controle de reação.

O voo 4 apresentou grandes mais melhorias e obteve o maior sucesso. Segundo Musk, a empresa pretende lançar seis voos de teste em 2024, com quatro decolagens nos próximos seis meses.

O cronograma não depende inteiramente da SpaceX: órgãos reguladores, como a FAA, precisam autorizar. Mas a empresa está se preparando para os próximos lançamentos da Starship e testou o veículo do próximo voo no início do mês passado.

Com os testes não tripulados, a Starship fiará em forma para uma ampla variedade de missões – incluindo a implantação de centenas de satélites Starlink, viagens ponto a ponto entre portos espaciais na Terra.