Radiação estelar causa erosão severa de atmosfera de exoplaneta a 163 anos -luz. Compreender processo lançará luz sobre mecanismos de formação planetária e sobre população de exoplanetas conhecidos.

O estudo de exoplanetas, planetas que orbitam outras estrelas, planetas ganhou tração nas últimas três décadas com avanços tecnológicos e metodológicos, permitindo detectar e estudar esses astros com precisão cada vez maior. Nesse período, mais de 5.600 exoplanetas foram identificados na Via Láctea, abrangendo uma vasta gama de tamanhos, composições e órbitas. Essa diversidade desafia e amplia nossas teorias sobre a formação e a evolução planetária.

Um em particular tem capturado a atenção dos astrofísicos: WASP-69b, a aproximadamente 163 anos-luz da Terra. Esse gigante gasoso oferece uma oportunidade única para estudar a formação e a evolução planetárias e até da vida. O motivo do grande interesse é a atmosfera de WASP-69b, constantemente “desgastada e moldada “soprada” pela estrela.

Ele está muito próximo de sua estrela, completando uma órbita a cada 3,8 dias. O planeta gigante possui uma cauda semelhante à de um cometa graças à fotoevaporação – um processo em que a radiação de uma estrela remove a atmosfera de um planeta. Essa cauda é composta principalmente de hélio e é uma representação visual dos efeitos dramáticos que estrelas podem ter sobre os planetas muito próximos.

No início do ano, o artigo “Envelope de Escape de WASP-69b Está Confinado a uma Cauda Estendendo-se a pelo menos 7 Rp” foi publicado no The Astrophysical Journal, abordando a pesquisa feita para caracterizar essa cauda e compreender sua formação e como essas informações podem dar pistas sobre outros tipos de exoplanetas.

WASP-69b exemplifica a diversidade e a complexidade desses astros e destaca como diferentes fatores, como a massa do planeta e a proximidade de sua estrela, podem influenciar drasticamente sua evolução. A análise detalhada deste planeta pode fornecer pistas valiosas sobre a escassez de Netunos Quentes, um tipo de exoplaneta, e ajudar a explicar os mecanismos que governam a formação e a destruição de atmosferas planetárias.

Foi descoberto pelo projeto Wide Angle Search for Planets (WASP), que tem como objetivo justamente a busca por exoplanetas. O nome WASP-69b significa que foi o 69º sistema planetário identificado pelo projeto, com a designação “b” indicando que é o primeiro planeta descoberto nesse sistema.

O processo de descoberta foi a fotometria de transito: detecção e análise de pequenas quedas na luminosidade de uma estrela causadas pela passagem de um planeta entre ela e o observador. O método permite determinar, além da presença do exoplaneta, algumas de suas características básicas, como tamanho e período orbital.

WASP-69b tem raio aproximadamente 10% maior que o de Júpiter, mas apenas com 30% joviana, similar à de Saturno. A baixa densidade, próxima à de uma rolha, associada à proximidade com a estrela chamou a atenção dos pesquisadores.

Esta combinação sugere que o planeta está sujeito a gravidade e radiação extremas. A observação desse planeta revelou que ele possui uma cauda de hélio que se estende por cerca de 560 mil km – um fenômeno raro que serve como evidência diretas de perda atmosférica por fotoevaporação.

A enorme quantidade de energia recebida da estrela, faz com que o planeta se aqueça. À medida que o gás se aquece, se expande e começa a escapar definitivamente da gravidade do planeta. O vento da estrela, um fluxo constante de partículas carregadas emitidas por ela, atinge a atmosfera que está escapando e esculpe a cauda de hélio que os cientistas detectaram.

As análises dos dados coletados indicam que WASP-69b está perdendo cerca de 200 mil toneladas por segundo. Isso equivale a uma massa terrestre a cada bilhão de anos. Ao longo da vida da estrela, o planeta acabará perdendo uma massa atmosférica total equivalente a quase 15 massas terrestres.

Ilustração da cauda de WASP-69b, como detectada (Reprodução, Dakotah Tyler et al. 2024.)

Parece muito, mas ele tem aproximadamente 90 vezes a massa da Terra. Então, mesmo com essa taxa extrema de erosão atmosférica, ele perderá apenas uma pequena fração da quantidade total de gás que o compõe.

Outros estudos já haviam sugerido a presença de uma cauda modesta em WASP-69b, mas esse é o primeiro a sugerir que seja tão extensa. Essa diferença provavelmente se deve a dois fatores principais. Cada grupo de pesquisa usou instrumentos diferentes para fazer suas observações, o que poderia resultar em níveis de detecção diferentes. Ou pode haver uma variabilidade real no sistema.

Uma estrela tem um ciclo de atividade magnética. No caso do Sol, esse ciclo dura cerca de 11 anos. No momento de maior atividade, o Sol mais erupções, manchas e mudanças no vento. E cada ciclo é único, não havendo repetição exata dos padrões já observados. Quanto a outras estrelas, não possuímos dados para conhecer seus ciclos.

A variabilidade observada na cauda de WASP-69b pode ser decorrente do fato de que, toda vez que ele é observado, a estrela está em um momento diferente de seu ciclo. Os astrônomos terão que continuar a observar esse planeta para entender exatamente o que está acontecendo.

Lacunas Detectar exoplanetas é complicado por suas pequenas dimensões e ao brilho intenso das estrelas que orbitam. Diferentes métodos têm sido desenvolvidos, sendo a fotometria de trânsito e a velocidade radial os mais comuns. O método da velocidade radial mede as oscilações da estrela devido à influência gravitacional de um planeta.

Apesar dos desafios, já foram descobertos exoplanetas apenas um pouco maiores que nossa Lua. Em contra-partida, os maiores tem raios superiores ao de Júpiter. A maioria dos exoplanetas detectados são maiores que a Terra e menores que Netuno e orbitam suas estrelas mais de perto do que Mercúrio orbita o Sol. Eles são classificados em duas categorias principais: super-Terras e sub-Netunos.

Super-Terras têm raio até 50% maior que o da Terra e podem variar significativamente em composição, podendo ser predominantemente rochosos, como a Terra, ou feitos de uma mistura de rocha e gelo. A massa desses planetas também pode variar muito, o que influencia diretamente suas atmosferas e condições de superfície. Alguns podem ter atmosferas densas, outros podem ser mais semelhantes a grandes versões de Marte, com atmosferas finas e pouco protetoras.

Por outro lado, os sub-Netunos são planetas com raios entre duas e quatro vezes o da Terra. Essas dimensões sugerem que esses planetas possuem atmosferas espessas, semelhantes às de Netuno e Urano. No entanto, devido à sua menor massa em comparação com os gigantes gasosos, essas atmosferas podem ser mais suscetíveis à erosão por radiação estelar, especialmente se orbitarem suas estrelas a pequena distância.

Ilustração mostrando os tipos de exoplanetas conhecidos (NASA)

Entre as duas categorias, com raios planetários bem distintos, encontramos a “Lacuna de Raio”, onde raramente se encontram planetas. Isso sugere a existência de processos astrofísicos que impedem a formação ou sobrevivência de planetas com esses tamanhos. Uma das hipóteses diz que planetas que se formam nesse intervalo de tamanho podem sofrer perda significativa de suas atmosferas devido à radiação estelar intensa, transformando-se em super-Terras.

Outro fenômeno intrigante é o “Deserto de Netunos Quentes”: uma região onde são raros os planetas do tamanho de Netuno que completam órbitas em menos de quatro dias. A escassez desses planetas sugere fatores que influenciam a formação ou a destruição de suas atmosferas quando estão muito próximos de suas estrelas. Com a atmosfera destruída, retaria o núcleo rochoso, na categoria de super-Terra.

Super-Terras e sub-Netunos são de grande interesse também para a astrobiologia. A composição e a estrutura desses planetas podem oferecer condições favoráveis à vida. Super-Terras rochosas podem ter ambientes que variam de desertos áridos a oceanos profundos e sub-Netunos podem ter atmosferas espessas, de hospitaleiras a extremamente hostis.

Formação planetária Quando uma estrela se forma, a partir do colapso gravitacional de uma nuvem molecular, um disco de gás e poeira se forma ao seu redor – o disco protoplanetário. Ests disco é composto de material residual da formação estelar e onde os planetas começam a tomar forma. Dentro deste disco, partículas de poeira colidem e se aglomeram, crescendo gradualmente. Esses aglomerados de poeira se transformam em planetesimais, corpos grandes o suficiente para exercer atração gravitacional significativa.

À medida que os planetesimais crescem, eles podem continuar a agregar material, eventualmente formando protoplanetas. Esses protoplanetas podem capturar gás do disco e acumular atmosferas. A composição e a quantidade de gás que um protoplaneta pode acumular dependem de sua massa e proximidade com a estrela hospedeira. Protoplanetas mais massivos e mais distantes podem reter atmosferas mais espessas, enquanto os mais próximos podem ter atmosferas mais finas devido à intensa radiação estelar.

Outros fatores podem influenciar a formação dos planetas, como presença de planetas gigantes no sistema e interações gravitacionais entre os planetas em formação. Esses fatores podem causar migrações planetárias, com planetas se movendo para órbitas diferentes, que podem resultar em configurações orbitais complexas.

Ilustração de planeta em formação em disco planetário (Science Photo Library)

E a evolução dos planetas não para por aí. À medida que a estrela hospedeira amadurece, ela começa a emitir grandes quantidades de radiação ultravioleta e raios-X – que pode aquecer e ionizar a atmosfera de um planeta, levando à fotoevaporação.

Alguns planetas podem resistir a esse processo. Planetas com maior massa têm gravidade mais forte, o que os ajuda a manter suas atmosferas. Além disso, os planetas que estão mais distantes de sua estrela não são atingidos por tanta radiação, de modo que suas atmosferas sofrem menos erosão.

Por isso, existe força na hipótese de que parte significativa das super-Terras seja formada pelos núcleos rochosos de planetas que tiveram suas atmosferas completamente “sopradas”, enquanto os sub-Neptunos eram massivos o suficiente para reter suas atmosferas. A maioria dos planetas do tamanho de Netuno simplesmente não tem massa suficiente para manter a atmosfera se orbitar muito próximo da estrela, em uma órbita com período de até 4 dias. Quando encontramos esses exoplanetas, a atmosfera já foi perdida e o que resta é seu núcleo rochoso – uma super-Terra.

A formação planetária é um campo que continua a evoluir à medida que novas observações e descobertas são feitas.