Novo modelo rompe modelo tradicional sobre mecanismo que gera campo magnético solar. Se plenamente confirmada, descoberta poderia aprimorar previsão de atividade solar.

As manchas solares vão muito além de curiosidades visuais; elas são indicativos da complexa atividade magnética do Sol e seu ciclo de 11 anos. E cada ciclo solar é fruto das mudanças profundas no campo magnético da estrela. O campo influencia uma variedade de fenômenos solares, incluindo manchas, erupções e o vento (um fluxo de partículas carregadas que emana de nossa estrela).

Por décadas, cientistas acreditaram que a origem deste campo estava nas profundezas do Sol, em uma região chamada tacoclina, entre as zonas radiativa e convectiva do Sol. Nessa região, há uma mudança abrupta na velocidade de rotação – a zona radiativa gira de maneira mais uniforme, enquanto a zona convectiva exibe uma rotação diferencial mais complexa.

Nessa visão tradicional, a rotação diferencial estica e torce as linhas de campo magnético, com a interação de movimentos de plasma convertendo energia cinética em magnética. Esse processo, chamado de estiramento magnético, é essencial para a amplificação do campo magnético solar. Gerado na tacoclina, ele é transportado para as camadas mais externas.

Aliado a isso, temos o movimento convectivo do plasma. No interior do Sol, o plasma quente sobe rumo à superfície, esfria e desce novamente, criando correntes convectivas – como acontece em uma panela com água fervente. À medida que essas correntes interagem com a rotação diferencial do Sol – diferentes partes do Sol rotacionam em velocidades diferentes – elas geram, reforçam e retorcem campos magnéticos. Este processo contínuo mantém o campo magnético da estrela em constante renovação e evolução.

Ilustração da estrutura básica do Sol

Esse modelo foi sustentado por observações por décadas. Por exemplos, dados de heliossismologia, o estudo das ondas de pressão que atravessam o Sol, indicavam que a tacoclina tinha as propriedades dinâmicas necessárias para suportar o dínamo solar.

O modelo não é isento de limitações e enfrenta dificuldades em explicar certos padrões observacionais. Por exemplo, a dinâmica detalhada das oscilações torsionais e a distribuição espacial e temporal das manchas solares. Além disso, a previsão precisa dos ciclos solares mostrou-se problemática.

Descoberta Um estudo recente, publicado na Nature, desafia esse modelo tradicional. E o título expressa bem como: “O dínamo solar se inicia perto da superfície“. Nele, pesquisadores propõem que o dínamo solar pode se originar na camada de cisalhamento próxima à superfície (na sigla em inglês, NSSL). Esta descoberta sugere que o coração do dínamo solar pode estar localizado entre os 5 e 10% mais externos do Sol.

Os pesquisadores usaram simulações numéricas avançadas e dados de heliossismologia. Isso permitiu conhecer o interior do Sol com detalhes sem precedentes. Estas observações revelaram que certas características magnéticas, como as oscilações torsionais e a migração das manchas solares, estão mais associadas às camadas próximas à superfície do que à tacoclina.

As novas evidências sugerem que a instabilidade magnetorrotacional (MRI) pode estar desempenhando um papel crucial na geração do campo magnético solar. A MRI ocorre na NSSL, causada por um aumento progressivo da rotação diferencial em direção à superfície. Um campo magnético poloidal (entre os polos magnéticos solares) fraco na NSSL pode desencadear a MRI, gerando perturbações que se propagam como ondas de torsão.

A MRI é observada em sistemas astrofísicos onde campos magnéticos e rotação diferencial estão presentes. Originalmente estudada no contexto de discos de acreção ao redor de buracos negros e estrelas jovens, desempenha um papel crucial na dinâmica desses sistemas, facilitando o transporte de momento angular e gerando turbulência. Esse fenômeno pode ser a chave para explicar os padrões observados de atividade magnética do Sol, oferecendo uma visão mais consistente e coerente com os dados observacionais.

Simulações de MRI em duas dimensões (Vasil, G.M., Lecoanet, D., Augustson, K. et al. 2024.)

Simulações As estimativas analíticas fornecem uma compreensão teórica robusta de como a MRI pode ocorrer na NSSL. Usando equações que descrevem a dinâmica do plasma magnetizado em rotação, os pesquisadores calcularam os tempos de crescimento e as escalas espaciais das perturbações. Essas estimativas mostram que a MRI pode gerar perturbações com amplitudes e frequências observadas nas oscilações torsionais. Além disso, também pode explicar a amplitude do campo magnético subsuperficial, alinhando-se com as observações heliossismológicas.

Simulações numéricas empregaram técnicas de alta precisão para resolver as equações magnetoidrodinâmicas que governam o comportamento do plasma solar. Elas desempenharam um papel crucial na validação dessas teorias. Utilizando modelos computacionais avançados, os pesquisadores foram capazes de reproduzir os fenômenos solares observados e mostraram que, quando a MRI é incorporada na NSSL, os padrões de oscilações torsionais e a geração de campos magnéticos correspondem estreitamente aos dados observacionais.

As simulações também revelaram detalhes sobre a estrutura das ondas de MRI e como elas influenciam a dinâmica global do Sol. As perturbações se propagam como ondas helicoidais, modulando a velocidade de rotação e a distribuição do campo magnético. Isso também é consistente com as observações heliossismológicas de oscilações torsionais e padrões de campo magnético.

Esta mudança de paradigma desafia as teorias estabelecidas e também abre novas possibilidades para a previsão da atividade solar, melhorando significativamente nossas previsões dos ciclos solares e do clima espacial, que afetam diretamente satélites, redes de comunicação e sistemas de energia na Terra. A descoberta também pode fornecer novas pistas sobre a estrutura e o comportamento de outros astros e sistemas estelares.

Aplicações Essa nova abordagem não só avança nosso conhecimento sobre o funcionamento interno do Sol, mas também pode ter implicações para a previsão da atividade solar e do clima espacial. Compreender melhor a MRI e seu papel no dínamo solar pode levar a previsões mais precisas dos ciclos solares e suas consequências para a Terra, melhorando nossa capacidade de nos prepararmos para eventos de clima espacial.

Ao situar a origem do dínamo solar mais próximo da superfície, o novo modelo permite uma observação mais direta e detalhada dos processos magnéticos. A heliossismologia pode ser usada de forma mais eficaz para monitorar a NSSL. Isso possibilita uma coleta de dados mais precisa e frequente sobre as condições magnéticas e rotacionais, fornecendo informações essenciais para prever os ciclos solares.

Também pode explicar melhor as oscilações torsionais. Entender essas oscilações é crucial para prever quando o Sol entrará em períodos de alta ou baixa atividade magnética. Com o foco na NSSL, os cientistas podem correlacionar melhor as oscilações com as manchas e outras atividades magnéticas, refinando as previsões dos ciclos.

Isso é importante para proteger a infraestrutura tecnológica na Terra. Os ciclos solares influenciam o clima espacial, que pode afetar satélites, redes de comunicação, sistemas de navegação e redes elétricas. Tempestades solares intensas, causadas por erupções solares e ejeções de massa coronal, podem induzir correntes geomagnéticas, danificando transformadores e causando apagões.

Também há implicações para nossa compreensão das interações entre o Sol e a Terra. A radiação e as partículas carregadas emitidas pelo Sol durante períodos de alta atividade magnética podem afetar a atmosfera terrestre, influenciando, por exemplo, a camada de ozônio e o clima global.

Missões espaciais, tripuladas ou não, são altamente vulneráveis às tempestades solares. A radiação intensa durante esses eventos pode danificar eletrônicos a bordo e representar riscos significativos para a saúde dos astronautas. Com previsões mais precisas, as agências espaciais podem planejar missões de forma a minimizar a exposição a essas tempestades, aumentando a segurança e a eficiência das operações espaciais.

Perfis de rotação diferencial no interior do Sol (Vasil, G.M., Lecoanet, D., Augustson, K. et al. 2024.)

Até a geologia pode se beneficiar desse modelo, uma vez que a atividade solar pode influenciar alguns processos geológicos. Durante períodos de alta atividade solar, o campo magnético da Terra pode ser comprimido, afetando a magnetosfera e os cinturões de radiação. estudos sobre registros de atividade solar em sedimentos e rochas podem se beneficiar de previsões mais precisas, oferecendo uma visão mais detalhada da história geológica da Terra.

Ao focar na NSSL, o novo modelo incentiva o desenvolvimento de novas técnicas de observação e análise que podem ser aplicadas a outros corpos celestes. Estrelas semelhantes ao Sol em outras partes da galáxia podem ter dinâmicas magnéticas similares, e a compreensão detalhada do dínamo solar pode ajudar a revelar segredos sobre a atividade magnética em outras estrelas.

Mais estudos Para validar plenamente o novo modelo de dínamo solar, são necessárias observações ainda mais refinadas. Então. para os pesquisadores, o próximo passo é aprofundar os estudos heliossismológicos com técnicas mais detalhadas para observar as dinâmicas internas do Sol com maior precisão. Novos instrumentos e tecnologias avançadas permitirão medições mais precisas das oscilações torsionais e das variações de velocidade de rotação na NSSL. Esses dados são cruciais para confirmar se a MRI está de fato operando na escala sugerida pelo novo modelo.

Outro ponto essencial é o desenvolvimento de simulações numéricas mais avançadas. As simulações atuais fornecem suporte significativo para a hipótese, mas modelos mais detalhados e de maior resolução podem oferecer insights ainda mais profundos. As simulações devem incluir uma gama maior de variáveis e condições iniciais para testar a robustez do modelo e sua capacidade de reproduzir fielmente as observações.

A integração de dados observacionais com simulações numéricas pode gerar previsões mais precisas dos ciclos solares. Os pesquisadores podem utilizar técnicas de machine learning e inteligência artificial para analisar grandes volumes de dados heliossismológicos e identificar padrões sutis que podem não ser evidentes através de métodos tradicionais. Essas abordagens podem melhorar significativamente nossa capacidade de prever a atividade solar e o clima espacial.

É necessário testar as previsões feitas pelo novo modelo. As flutuações regulares na atividade magnética nos ciclos fornecem uma oportunidade natural para validar o modelo. Observando os próximos ciclos solares e comparando os dados reais com as previsões, cientistas podem avaliar sua precisão e eficácia. Isso não só ajudará a refinar o modelo, mas também fortalecerá a confiança na sua aplicabilidade prática.

Experimentos laboratoriais que simulam condições solares também podem fornecer insights valiosos. Em ambientes controlados, cientistas podem reproduzir os efeitos da MRI e estudar suas características detalhadas. Esses experimentos podem ajudar a validar as previsões teóricas e identificar nuances do comportamento magnético que não são facilmente observáveis no Sol.

A colaboração internacional será importante. Por exemplo, com agências espaciais de diferentes países que estudam o Sol com sondas espaciais. A colaboração entre instituições de diferentes países pode acelerar a compreensão do dínamo solar.