Nova pesquisa defende que tempestade joviana observada pouco após a invenção do telescópio cessou décadas depois. Mancha atual teria se formado há cerca de 150 anos.

A Grande Mancha Vermelha (GMV) de Júpiter é uma das características que distinguem o planeta Trata-se de uma enorme tempestade que os astrônomos observam desde o Século XVII. No entanto, sua data de formação e longevidade estão em debate. Será que estamos vendo o mesmo fenômeno durante todo esse tempo?

A GMV é uma gigantesca tempestade anticiclônica (gira no sentido anti-horário) maior do que a Terra. A velocidade de seus ventos ultrapassa 400 km/h. Humanos vem observando-a consistentemente desde o Século XIX, mas sua história ainda é um mistério.

Suas primeiras observações podem ter sido em 1632, quando Abbott, astrônomo alemão, usou seu telescópio para observar Júpiter. 32 anos depois, outro observador relatou ter visto a GMV se movendo de leste para oeste. Então, em 1665, o italiano Giovanni Cassini examinou Júpiter com um telescópio e notou a presença de uma tempestade na mesma latitude da GMV. Cassini e outros astrônomos observaram-na continuamente até 1713 e ele a chamou de Mancha Permanente (MP).

Infelizmente, os astrônomos perderam o rastro da mancha. Ninguém viu a GMV por 118 anos até que o astrônomo alemão Samuel Schwabe observou uma estrutura clara, aproximadamente oval na mesma latitude da GMV. Alguns consideram essa como a primeira observação da GMV atual e que a tempestade se formou novamente na mesma latitude.

Quanto mais voltamos no tempo, mais difícil é obter detalhes. E também há dúvidas sobre a tempestade anterior e sua relação com a GMV atual.

Comparação da Mancha Permanente e a GMV atual; os itens a, b e c são desenhos de Cassini de 1677, 1690 e 1691, respectivamente; d é uma imagem de 2023 da GMV atual (Sánchez-Lavega et al. 2024)

Uma nova pesquisa publicada na Geophysical Research Letters combinou registros históricos com simulações computadorizadas da GMV para tentar entender esse fenômeno meteorológico quimérico. Seu autor principal é Agustín Sánchez-Lavega, professor de física na Universidade do País Basco em Bilbao, na Espanha. Ele também é chefe do Grupo de Ciências Planetárias e do Departamento de Física Aplicada da Universidade.

“A Grande Mancha Vermelha (GMV) de Júpiter é o maior e mais duradouro vórtice conhecido de todos os planetas do Sistema Solar, mas sua vida útil é debatida e seu mecanismo de formação permanece oculto”, escrevem os autores.

Os pesquisadores começaram com fontes históricas que datam de meados de 1600, logo após a invenção do telescópio. Eles analisaram o tamanho, a estrutura e o movimento tanto da GMV e da MP. Mas essa não é uma tarefa simples. “A aparência da GMV e de sua Cavidade ao longo da história das observações de Júpiter tem sido altamente variável devido a mudanças no tamanho, albedo e contraste com as nuvens circundantes”, escrevem eles.

“Com base nas medições de tamanhos e movimentos, deduzimos que é altamente improvável que a atual GMV tenha sido a MP observada por G. D. Cassini. A MP provavelmente desapareceu em algum momento entre meados dos séculos XVIII e XIX e, nesse caso, podemos dizer que a longevidade da Mancha Vermelha agora excede 190 anos, pelo menos”, disse Sánchez-Lavega. A GMV tinha 39 mil km de comprimento em 1879 e diminuiu para 14 mil km desde então. Ela também se tornou mais arredondada.

Júpiter e sua Grande Mancha Vermelha com o sul para cima e o leste para baixo: a é um desenho da Mancha Permanente feito por G. D. Cassini em 19 de janeiro de 1672; b é um desenho feito por S. Swabe em 10 de maio de 1851, com a linha tracejada vermelha destacando a área clara da cavidade da GMV; c é uma fotografia de A. A. Common de 1879; d é uma fotografia do Observatório Lick com um filtro amarelo em 14 de outubro de 1890 (Sánchez-Lavega et al. 2024)

O registro histórico é valioso, mas agora temos diferentes ferramentas à nossa disposição: telescópios espaciais e espaçonaves estudaram a GMV de maneiras que seriam inimagináveis nos dias de Cassini. A sonda Voyager 1, da NASA, capturou nossa primeira imagem detalhada do Grande Mancha Vermelha em 1979, quando estava a pouco mais de 9 milhões de km de Júpiter.

Desde a imagem da Voyager, as espaçonaves Galileo e Juno capturaram imagens da Mancha. A Juno, em particular, nos forneceu imagens e dados mais detalhados, fazendo imagens apenas 8 mil km acima da “superfície” joviana. A sonda obtém imagens brutas do planeta com sua JunoCam, e a NASA convida qualquer pessoa a processar as imagens, o que costuma resultar em imagens de aspecto mais artístico.

A Juno também mediu a profundidade da GMV, algo que os esforços anteriores não conseguiram. Recentemente, “vários instrumentos a bordo da missão Juno em órbita de Júpiter mostraram que a GRS é rasa e fina quando comparada à sua dimensão horizontal, já que verticalmente ela tem cerca de 500 km de comprimento”, explicou Sánchez-Lavega.

A Grande Mancha Vermelha de Júpiter em imagem obtida pela Voyager 1 em 1979; os intrincados padrões ondulados foram vistos pela primeira vez (NASA)

A atmosfera de Júpiter contém ventos em direções opostas em diferentes latitudes. Ao norte da Mancha, os ventos sopram na direção oeste e atingem velocidades de 180 km/h. Ao sul, os ventos fluem na direção oposta, a 150 km/h. Esses ventos geram um poderoso cisalhamento que alimenta o vórtice.

Em suas simulações em supercomputador, os pesquisadores examinaram diferentes forças que poderiam produzir a GMV nessas circunstâncias. Eles consideraram a erupção de uma supertempestade gigantesca como a que ocorre, embora raramente, em Saturno. Eles também examinaram o fenômeno de vórtices menores criados pelo cisalhamento do vento que se fundiram para formar a GMV. Ambos produziram tempestades anticiclônicas, mas suas formas e outras propriedades não correspondiam à Mancha atual.

“A partir dessas simulações, concluímos que é improvável que os mecanismos de supertempestade e fusão, embora gerem um único anticiclone, tenham formado a GMV”, conclui o artigo.

Os autores também destacam que, se qualquer um desses mecanismos tivesse ocorrido, nós os teríamos visto. “Também achamos que, se um desses fenômenos incomuns tivesse ocorrido, ele ou suas consequências na atmosfera devem ter sido observados e relatados pelos astrônomos na época”, disse Sánchez-Lavega.

Grande Mancha Vermelha registrada pela sonda Juno, da NASA (NASA / SwRI / MSSS / Jason Major)

Entretanto, outras simulações se mostraram mais precisas na reprodução da GMV. Sabe-se que os ventos de Júpiter têm instabilidades chamadas de Distúrbio Tropical Sul (STrD). Quando os pesquisadores realizaram simulações em supercomputador do STrD, eles criaram uma tempestade anticiclônica muito semelhante à GMV. O STrD capturou os diferentes ventos na região e os prendeu em uma concha alongada como a Grande Mancha. “Portanto, propomos que a GMV foi gerada a partir de uma longa célula resultante do STrD, que adquiriu coerência e compacidade à medida que encolhia”, escrevem os autores.

As simulações mostram que, com o tempo, a GMV giraria mais rapidamente à medida que encolhesse e se tornasse mais coerente e compacta, até que a célula alongada se assemelhasse mais à GMV atual. Como é assim que a Mancha aparece agora, os pesquisadores chegaram a essa explicação.

Esse processo provavelmente começou em meados de 1800, quando a Mancha era muito maior. Isso leva à conclusão de que o GMV tem apenas cerca de 150 anos de idade.

Formação da GMV: a é um desenho feito por T. E. R. Phillips em 1931-32 do STrD, com setas vermelhas indicando a direção do fluxo e a escala de longitud; b e c são mapas criados a partir de imagens feitas pela espaçonave New Horizons, da NASA; setas amarelas marcam as mudanças de posição e velocidade no STrD (Sánchez-Lavega et al. 2024)